quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

walkabout (2/5)


How can a French apple
be more expensive in France
then in Portugal?

How can a French apple
cost the same as a South African
apple in Portugal?

How come cheap beer
costs more or less the same
in these countries I’ve been?

Don’t want any answer
Have no further questions

Bertolt Brecht


ALGUMAS PERGUNTAS A UM «HOMEM BOM»

Bom, mas para quê?
Sim, não és venal, mas o raio
Que sobre a casa cai também
Não é venal.
Nunca renegas o que disseste.
Mas que disseste?
És de boa fé, dás a tua opinião.
Que opinião?

Tens coragem.
Contra quem?
És cheio de sabedoria.
Para quem?
Não olhas aos teus interesses.
Aos de quem olhas?
És um bom amigo.
Sê-lo-ás do bom povo?

Escuta pois: nós sabemos
Que és nosso inimigo.
Por isso vamos
Encostar-te ao paredão.
Mas em consideração
Dos teus méritos e das tuas boas qualidades
Escolhemos um bom paredão e vamos fuzilar-te com
Boas balas atiradas por bons fuzis e enterrar-te com
Uma boa pá debaixo da terra boa.


                              ***


PERGUNTAS DE UM OPERÁRIO LETRADO

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis.
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas vezes a reconstruíu? Em que casas
Da Lima dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer um cozinheiro tinha ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a Guerra dos Sete Anos.
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?

Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas.


“Poemas”; Tradução, selecção, estudos e notas de Arnaldo Saraiva, Campo das Letras, 1998.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

REGRESSO (1)



Este é o Regresso. Após uns oito anos encalhado aqui à porta de casa, a definhar, à frente de toda a gente, foi abatido, com vinte e oito anos. O Regresso foi construído em 1980, o ano em que eu nasci, por um artesão de nome Agostinho, que já morreu, assim como o meu pai, que o mandou construir. Eu ainda estou vivo, e por isso coube-me a mim desfazê-lo em pedaços. Nessa manhã, como tantas vezes faço, fui à costa ver o mar e mijar do cimo de uma duna. Estava uma gaivota a tentar comer o olho de um golfinho que o mar trouxe na madrugada. Às onze, chegou o senhor agente da polícia marítima. Disse-me para começar a desmanchar o barco e olhar para câmara que ele tinha de tirar uma fotografia para o arquivo. Depois disse-me para carregar alguns pedaços de madeira até ao contentor do lixo, para que ele tirasse outra fotografia, para o arquivo. Nisto veio o meu vizinho, o ti Zé, mais conhecido pelo Zé Sargo, que tem hoje 83 anos, que agarrando numa enxada que estava ali de lado disse: “Bora partir esta merda toda!”. E eu fui. E eu parti com ele. Só parámos quando não restava nada sobre nada; mal demos pelo senhor agente se ir. Não pus nenhuma dessa madeira no lixo. Guardei‑a até ao Verão e, como tinha de ser feito, fiz um grandioso fogo na praia para os meus melhores. Dancei, nessa noite dancei com a quilha às costas antes de vê-la a arder. Como me disse um amigo no outro dia, um Homem tem que ficar de pé, entre as ruínas.

Paulo


Te juro senhora nesta hora
em que todos os males estão feitos
como isto é luz que me alumia agora
mais que um submarino não tirei proveito

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

certas e determinadas matérias



Anda tudo a dizer que o presidente anda muito calado. Faz ele muito bem. Para dizer merda é melhor estar calado. Como se já não bastasse a quantidade de merda que é dita diariamente pelas mais variadas bocas, e inclusive sobre o facto de o presidente andar muito calado. Para bem de uma certa justiça, devo dizer que não percebo tal indignação, que não percebo como ainda esperam alguma coisa decente desta casta. Essencialmente, o presidente serve para a gente pensar que existe alguém que controla a seriedade disto tudo, que caso o governo faça merda ele puxa‑lhe as orelhas. E não me venham cá com merdas, ele faz isso muito bem, ora dizendo merda, ora estando calado.
 
Isto se calhar está um bocado fora de tempo, e tem merda a mais, mas isso agora é só porque se fala muito do papa. O país está atolado em merda e fala-se do papa como do presidente que anda muito calado. Já não interessa: o que é preciso é que a merda escorra e nos atasque a todos, até já não darmos importância à merda de vida que vivemos.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

se a corrupção dá mérito


se a corrupção dá mérito
a dívida é uma certeza
já ninguém ignora
sua imposta natureza

grande glória especulativa
põe na baba contentamento
por 500 euros ao mês
nem judas traía um pintelho

fartam-se com dar chuva
mas nem isso

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

António



Descansai é um sonho já morri
mas hão-de vir depois de mim
sobrinhos filhos e netos
cumprir aquilo que eu não cumpri

A Diva no seu melhor, "Vigaro cá, Vigaro lá"




para a malta da turma de são bento

está um debate a arder


está um debate a arder
por razões conventuais
para manter o dedo
no cu do contribuinte

acrobatas vestais
às piruetas de retórica
atiçam demónios
em nome do regime

orquestra sem fronteiras
em dose comunitária
um bando profissional
de abutres aristocratas

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

POETAS A SUL DO SÉCULO XXI - ANO 13


Dia nove de fevereiro, pelas 18:30, na Junta de Freguesia de Pechão, terá lugar uma tertúlia literária “Poetas a Sul do século XXI – ano 13”, organizada por Fernando Esteves Pinto e Reinaldo Barros, com o apoio da Editora Quatro Águas. Estão confirmadas as presenças dos poetas Miguel Godinho, Vítor Cardeira, Manuel Madeira, PedroAfonso, João Bentes e Tiago Nené.


“O século XXI pode ser (e será) de ruptura a muitos níveis. Talvez os poetas sejam os herdeiros do futuro ainda a ser, porque semeiam num campo muito para além do tempo físico. O Sul, estando abaixo, ou por baixo, é uma raiz que, apesar de todas as vicissitudes, permanece. Poderá acordar e ser (ou nunca ser). Talvez esse sul seja mais universal e vasto, logo, mais profundo, que o frio norte, racionalista e consumista, pai e mãe de todas as crises. Para lá do mar, do céu, do sonho, há todo um novo mundo a que só vagamente aportamos pelo ideal. O resto, economias e finanças, são a ilusão e a cegueira com que disfarçamos a nossa incompetência de viver a liberdade.”

“Para os mercados é aceitável a inutilidade de toda a Arte que não produz riqueza. O colapso civilizacional justifica a eugenia de todos os fardos sociais. O estímulo à concorrência abole os direitos sociais, as leis igualitárias, suprime os sindicatos e a liberdade, impondo regimes escravocratas. A eficácia gestionária dos rácios de produção erradica todos os factores humanos que bloqueiam os sistemas, como a compaixão, a piedade, a solidariedade, o afecto, a emoção e o sentimento. Em todos os continentes se cantará, em breve, o mais extraordinário de todos os poemas, exaltando, à saciedade, as soberbas virtudes da todo-poderosa cleptocracia.”

Artes e Mercados - Reinaldo Barros


ANTEVISÕES - Exposição de Reinaldo Barros
“Antevisões” é o tema de uma pequena exposição de ilustrações de Reinaldo Barros que terá lugar na Junta de Freguesia de Pechão, a partir do próximo dia nove de fevereiro. Estarão presentes trabalhos de desenho e pintura. Reinaldo Barros é formado em Belas Artes, mestre em gestão do património cultural e professor de artes visuais.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

walkabout (1/5)


Vou aqui publicar uns poemas que escrevi no Verão de 2012, enquanto andei praticando a mobilidade entre a ilha de Samso na Dinamarca e a Córsega. Lá no norte chegam a juntar-se mais de dez nacionalidades diferentes do velho continente, pelo que a língua mais consensual é o Inglês. Ao ponto de pensar em Inglês. O que tinha que sair saiu assim. Aqui fica o primeiro.



Out of date is a number combination
no longer possible in a sparkling clean shelf

I’ve eaten from the garbage
supermarkets throw away

We call it recycling

If you get caught
by danish supervisors
they threaten you with the police
“That’s no good for your health”

Others put leach
lock up the containers
claim private property

walkabout, João Bentes

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Abebe


(For the most high Selassie)

"Old pirates yes they rob I
Sold I to the merchant ships
Minutes after they took I
From the bottomless pit ..."

redemption song, Bob Marley