terça-feira, 30 de abril de 2013

opinião púdica


a opinião pública é uma coisa linda de se fazer
e parece-me sempre puta uma simulação
do amor a vir-se entre a pornografia uma coisa
que não se sabe se se tem porque é pública

a opinião pública é feita de palavras especiais
repetidas repetidamente imagens sobre imagens
sobre rodapés de efeitos especiais
num festival de distracções são espuma são dias
são ressaca na cabeça as vacas da doutrina

a televisão é uma private dance
cada um escolhe a puta que quer ver a dançar
e dança com ela e vem-se de argumentos
delírios invertebrados palavras brochistas
nos lábios sensuais da vassalagem

a opinião pública é feita por especialistas
pessoas tocadas por qualquer coisa de especial
gente que sabe onde meter artigos definidos
que mastiga as palavras e nos escarra sem vergonha
na cara

os melhores especialistas tem belas carreiras
e nunca são apedrejados porque são idóneos
os melhores especialistas são especialistas em tudo
são capazes de dizer tudo são prós
a fazer de contra que dizem muito que dizem
que estão a dizer alguma coisa

páginas amarelas de opinião pública
ruminação constante e foda colectiva
desertos desinformantes
pintelhos de incineração linguística
chavões são palavrões na boca de ministros
palavras púbicas empalantes

anestesias gerais fenómenos
virais vontades de mijar
chaminés adentro
fumo brando no parlamento
mais um pacote corta
que o estado lubricula
orçamentos de tesão rompante
peitos de política com leite

vem-te
colectivamente no ministério das finanças
brochuras de programas de enculações
ejaculantes dinheiros públicos
que enfardam comentaristas
completamente isentos e arbitrários
virgens sem partido embalsamadas

em prime-time meu banco de portugal
conservas o esperma fascista
essa operação plástica de tele‑anunciação
exporta-me a alma e o verbo
cresce-me a ponta da economia

harpias costurando óperas de operações
revitalizantes investimentos share
all together now numa boa

línguas especialistas a lamber as conas do poder
judites orais como barbies no inverno
travestis por círculos enquadrados
enrabam-se mamas implantadas
cilicoces férteis do vale caravelas
da boa esperança

e a menina dança ao som do cu toma viegas?
e a família também?
champôlimão lava-me os cabelos escravos
expo lusi pontalhadas
PêPêPêPêPêPês
Põe põe põe põe põe põe
magalhães na sopa e parque escolar para as crianças brincarem

feira da praga em são bento
constituições para todos os feitios
que fariam chorar o marquês do pombal
a cagar sobre a capital inteira
sobre todas as capitais sem deixar impune
a mais imune pintelheira
bruxelas de directivas comunitárias
setenta vezes o coito luxuriante
da vanguarda do pensamento mediático

meu deus que quisto pariste
onde é que eu vi quelque coise come ça
primos e primas e tios e tias e o pai
a chafurdar nos telejornais
que a vida mais parece uma sequela
das séries de tráfego ilimitado

tremenda lusa tusitana
os céus são do sul
cócos de caniche very Vilamoura
jotinhas cascos à linha do estoril
cheiram marmeladas escandaleiras
mas sempre com classssssse

assoa-te à renda de bilros e vota no antigripal
come sardinha na páscoa evita o pecado carnal
a selecção joga em telavive com fio dental
icebergue de pastilhas mental
afunda versos santa maria de planfetos
aviões desviados de rabat
25 de novembro armada USA
camões no tejo dispara do sovaco
bombocas a vulso poliuretano farfalheira
desastre de poema na via publica
amiantos de boas intenções
pede-se presença permanente da protecção
à civis com raiva especulativa
manobras oníricas festivais pimba
sortidos de bolachas caseiras
e mais putas que estas só nas cimeiras
as que mostram a xôxa a rir

FODER ESTÁ NA MODA TANTO COMO BATER PUNHO


SE FOSSE COCA LÁ SE IA A TAXA DE DESEMPREGO


terça-feira, 16 de abril de 2013

postais


e na distância infinita
que acusa o transparente dia
cair para dentro do mar

as cores que a água faz
ritmos que as ondas cruzam
lodo que vai atolar

o segredo marítimo constante
vai embrulhando as conchas
nas mãos dos bons amantes

há uma fortuna fundeada ao largo
o pássaro vem pousar no ombro
podia tudo ser tão simples

sexta-feira, 12 de abril de 2013

REGRESSO (3)




A casa onde vivi até 1993 estava mesmo ao lado desta, que era do ti Toine, irmão do meu pai, que também já morreu. Quando a mandámos a baixo estava pouco melhor do que esta está agora. Se chovia muito, a água que vinha do telhado reflectia na duna encharcada e escorria por inúmeras frestas na parede, já meio engolida pela areia. A cozinha inundava. Tínhamos que levantar os ladrilhos e espetar os ferros das canas de pesca na areia e esperar que a água seguisse o seu curso. Em 93 ajudei o meu pai, e os bons homens que o ajudaram a ele, a levantar a casa em que hoje vivo, sobre o sítio da antiga, que foi trazida para aqui pelo meu avó, quando em meados dos anos 60, para arranjar espaço para os veraneantes das cidades, a maior parte dos pescadores aqui da praia foi forçada a ir viver para as extremidades, onde hoje o alcatrão não chega. Mais ou menos por essa altura, foi definido o que é domínio camarário e o que é domínio público marítimo. É por isso que todos nós que vivemos onde o alcatrão não chega somos, oficialmente, considerados clandestinos. Mesmo com as casas registadas nas finanças.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

na'é filho?


somos todos muito pacíficos na’é filho?
fazemos cartazes criativos p’rás manifestações
levantamos o punho fechado com o cravo podre do abril
sitiamos o parlamento e não atiramos pedras

vem a bófia atirar pedras por nós
p’ra nos desancar à porrada dos pacíficos que nós somos

fazemos muito bem em ser pacíficos filho
porque a austeridade não é uma coisa que ande
aí pelas ruas a apontar pistolas à cabeça das pessoas

ninguém tem hemorragias com 20% de desemprego
ninguém perde um braço quando a casa é hipotecada
nem uma puta duma contusão por cada milhão que vai p´ra banca

nada de violências que esta gente sabe muito bem o que faz
foram todos eleitos democraticamente
são gatunos mentirosos impostores criminosos
mas eleitos democraticamente porra
na’é filho?

fazemos as grandes manifestações e cantamos a grândola
e depois vamos p’ra casa beber chá e comer torradas
ver se aparecemos nas televisões muito pacíficos e ordeiros

isto agora o que é preciso é ter calminha da boa
que eles tratam de tudo e trocam tudo por miúdos
agora o que é importante é o papa porque neste país não se passa nada
está um frio do caralho mas o verão está já à porta
e tu vais contar os tostões p’ra tirar umas férias
pacificamente

mas o que é que a gente há-de fazer filho é assim
isto é só likes e tweets e grupos
que mandam caralhadas nas redes sociais
e se isso não resolve nada o que é que resolve?

os teus pais até foram às revoluções por ti

deixa-te andar
deixa-te andar pacificamente
ou não tens nada p’ra dizer
ou não votaste neles
e quem votou que se desenrasque
e quem vier atrás que feche a porta

mas o que é que tu vais fazer filho?
meter bombas em sucursais bancárias?
mostrar o cu no parlamento?
arriscares-te a ir preso?

não vale a pena porque isto é assim e assim vai continuar
uns a fazer de revoltados e eles contentes a mandar
porque tu não mandas nada és empregado
e só vives porque te deixam e o demais não interessa
que eles é que percebem do que tu precisas
na’é filho?

quem tem cu tem medo
e eles entram sempre pela porta das traseiras
esses senhores que estão acima do crime
os que vivem em cima das tuas possibilidades

vais-me dizer que não é assim tão simples
e eu concordo contigo não posso dizer que não
além da cabeça do ministro
muitas outras terão de ser cortadas sem perdão

vais-me dizer que isso é violento que isso não é pacífico
e eu concordo contigo não posso dizer que não
mas diz-me
não há violência nenhuma na pobreza e na miséria
com que o um por cento vive refastelado?
isto tem que ser tudo um sacrifício filha-da-puta
que aos 65 anos há-de ser o céu
na’é filho?

VAI SER O BOM E O BONITE...

Hoje, a partir, das 22h, na ARCM - FARO



PALCO ABERTO



terça-feira, 9 de abril de 2013

Tiago Gomes


TÁCTICA ESTÉTICA OU ESTAVA DIFÍCIL

Segue-se uma estética
para  chegar ao íntimo das coisas
e sugar-lhes o sumo
ou antes, o néctar,
ou melhor, o licor,
quero dizer, o elixir,
isto é, a essência,
porra, a poesia.


***


TIRASTE UM CURSO NA DIVERSIDADE

serás com certeza um dia
um bom vagabundo com sacos de plástico
cheio de jornais velhos
carregando mais do que o teu peso em cartão.


***


DIÁRIO DE ESTADO

Estou a fumar a árvore do tabaco
dissecando à mesa do café.
Crítico social.
Cigarro, a perna traçada.
Poso. Também o cigarro.
Um momento.
Mayakovsky escrevera:
autobiografia.
Imito-o.
Nasço em Lisboa.
Vou à escola
Jogo à bola
Cresço. Difícil.
Escrevo. Observo.
O meu dia de ontem:
caio na teia da borucracia.
Autocarro. Discussão, luta.
Não tinha feito nada.
Multado por suposta insolência
e passe em mau estado.
Recuso-me a pagar a multa.
Polícia. O Estado tem rosto humano.
Aqui joga-se duro. As lutas não são homem a homem.
Agora são repressão a homem.
Míssil de ataque a míssil de defesa.
Estamos na era da pesada.
No ar e nas modas.

Assim, caro amigo
estamos em zona de altas pressões.
Eu, sou um independente mayakovskiano
aqui em Modern Times.



Obra Poética, Tiago Gomes, Baile del Sol, 2009.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

postais


habitar no precipício
entre as artérias da indústria
nos restos do primitivo

sintoma de agonia brutal
tudo curto‑circuito
tão decadente demais

o brilho fundo dos líquenes
enterrando os telhados
das casas antigas

electrodomésticos apodrecem
tentando suster o implacável
movimento das dunas

mentat Piter de Vries seguido de Dirty Harry


é de minha livre vontade
que ponho a mente em movimento

é pelo sumo de sapho
que os pensamentos ganham velocidade
que os lábios adquirem manchas
e as manchas se tornam um aviso

é de minha livre vontade
que ponho a mente em movimento


***


eu sei o que estás a pensar

será que disparei
cinco vezes
ou seis

para ser sincero
no meio desta confusão
também não sei

mas
dadas as circunstâncias
será que te sentes com sorte?

sentes‑te
cabrão?

quinta-feira, 4 de abril de 2013

postais


à sombra tépida das marés
medusa embala as cascas
do que foram coisas vivas

o resto podre de um remo
anzóis perdidos da pesca
variado plástico dos oceanos

chegam barcos à praia vazios
e os homens antigos coçam
a arte na ponta dos dedos

acentua o sol o salitre
na pele queimada dos filhos
que ainda chamam pelo vento

REGRESSO (2)




O meu pai chamou Regresso ao barco porque, após uns poucos anos de trabalho em terra firme, ele próprio regressou, voltou para o mar. A década de 80 do século passado deve ter sido a última em que valeu realmente a pena trabalhar, aqui, no mar. Em 91 o meu pai voltou a trabalhar em terra, aqui na praia, no hotel, mas sem nunca perder o mar de vista. Como diz Raúl Brandão n’Os Pescadores, o homem só tem um sistema que funciona na perfeição: o da destruição. Posso dizer que tudo aquilo que conheço do mar é o fim. O meu pai deixou-me um barco de fibra que comprou à custa de muitos robalos que apanhamos juntos. Chamou-lhe Regresso II. Um dia destes também será queimado.

PALCO ABERTO, dia 11, às 22h

ABRIL, DIAS DA MÚSICA E LIBERDADE, NA A.R.C. MÚSICOS - FARO