quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

há uma troika dentro de mim

não consigo explicar a felicidade
que me trazem as vozes inequívocas
da inquestionável sabedoria imperial

tenho andado pela noite a contar tostões
sem saber o que fazer desta tremenda insónia
com os olhos desfeitos em sangue
porque tenho guardado o pranto

e num segundo de luz abissal e virtude
vou dando passos e sinto‑me seguro
porque o país está muito melhor

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

DIÁRIO DE BORDO

a chuva tem uma música que eu consigo ouvir
uma magia meteorológica carregada no cinzento
que se aprende a olhar o tempo nos olhos duma
criança pendurada à janela na tarde de domingo
enquanto não chega o sono e a escola não começa
demoramos a crescer fazendo trabalhos de casa
damos por nós a brincar e há uma vida inteira que passa

adiando o despertador minuto a minuto
o cheiro das torradas faz‑nos salivar na cama
e com dez anos começamos a beber café
e dez anos mais tarde somos a mesma criança
o sono a chuva as tardes de domingo
que nunca conseguimos preencher

põe‑lhe mais dez anos em cima
e o que mudou foi o tamanho da roupa
e agora brincamos como gente grande
todos os trabalhos ainda são de casa
não temos testes mas aquilo que nos aconteceu
pode ser que nos dobre a broa d’asperança


***

aqui a bordo vamos todos bem
porque não existe mais do que este barco
e ainda conseguimos ir todos dentro dele
e na verdade a grande luta que travamos
é esta vontade de fugir acometida ao infinito

podemos pensar que passa mas ao largo
não existem os mínimos sinais de terra
e até as baleias fogem de nós
enterrámos definitivamente o azul

vamos todos bem mas somos um perigo
somos o escuro mais duro do destino
a mancha salgada nas cartas de navegação
que nenhum astrolábio consegue resolver
e todas as mães continuam a chorar


***


o mito é a moca que faz o futuro
a ânsia que faz as nações perdurar
o espectro da grandeza a simulação
o fantasma intermitente da obscuridade

sem que a nefasta sombra nos tombe
e por ventura admiremos na dureza
os tratados que nos dizimaram aos milhares
havemos de continuar navegando

o mar só tem duas coisas certas
a volta ou o não voltar


a história só tem uma