quinta-feira, 24 de abril de 2014

POEMA COMEMORATIVO DOS 40 ANOS DO 25 DE ABRIL

                               






dedicado ao José Mário Branco, dedicado aos que nunca se renderam e que nunca se renderão




já gastaram um balúrdio em cravos
enfeitaram tudo muito bem enfeitado
e porque somos um país de muitos e bons costumes
os do costume vão proferir os discursos do costume
e como de costume depois dos aplausos
as femmes de ménage vão bater com toda essa merda no lixo

vivemos tempos de uma estranha obediência
consensos são forjados atrás de consensos
as palavras estão vazias as palavras não valem nada
as palavras estão em vias de reformulação
na boca dos burgessos dos partidos do soutien
uma mama para esquerda uma mama para direita
fartam‑se todos de mamar da grande teta europeia
do não sei quê de progresso de cabrões de vidouros
que vão de braço dado com a divindade do mercado
e o povo de pão e vinho sobre a mesa
em grande marcha até que a miséria lhe doa
celebrará as vitórias sobre as agências de ratting
nesse grande regresso à pátria tão amada

vivemos tempos obscuros
emprenhados de ruído televisão e misticismo
vamos vivendo à distância da vida
porque acreditamos que há um “eles” e um “nós”
e acreditar nisso é acreditar que somos incapacitados
é valorizar a hierarquia como fórmula da sociedade
é aceitar que existe o céu e o inferno
e que só alguns poderão aceder à terra prometida
e assim carneiros sacrificados no altar de qualquer dinheiro
nosso sangue vai enchendo as ruas das cidades
como as areias enchem o vazio dos desertos

eu pecador me confesso
eu não vivi acima das minhas possibilidades

democracia mais salazarismo dá cerca de um século de modorra
sem contar com o resto noves fora nada
não estamos assim tão atrasados em relação á europa
antes pelo contrário vamos à proa vamos pela proa
vamos atados à proa mamando a espuma de todos os dias
esta escória de marcelos e fátinhas de cavacos embalsamados
coelhos carecas portas pirosos seguros para a próxima vida

fogem que se fartam os cérebros para o estrangeiro
mas os carniceiros cheios de soluções não largam o osso
porque são muito caridosos e não sabem onde meter
a grandessíssima pena que sentem dos pobres

porra que filho‑de‑puta que eu sou que não vejo que estou melhor
acordo todos os dias e sinto‑me muito melhor
as florzinhas estão todas cheias de cores muito melhores
estamos aqui numa grande festa do melhor
até camões achou o olho e vê muito melhor
devíamos criar um dicionário um inventário
um programa de televisão um sindicato
onde pudéssemos declamar livremente todas as coisas melhores
que fazem do país um país muito melhor
um 25 um 28 um 605 forte
que nos saia abruptamente sem políticas sem merdas
sem necessidade de confrontar o mais mísero pintelho
da nossa enorme comichão e poder dormir enfim
num jardim num mosteiro num monumento
onde milhares de turistas curiosos poderão fotografar
nós somos portugueses
nós somos o melhor povo do mundo

somos todos uns devassos duns empreendedores
uns entra e sai da sociedade anónima lusitana
tratamos todos o calão da alta finança por tu
há-de vir cá o macdonald’s mostrar o que é vender merda como diamantes
não é qualquer bifana que nos ensina o que é que é ser tenro e saudável
viva a dieta mediterrânica especialmente no cu
é preciso ser‑se qualquer coisa de excepcional em berlim
para aceitar qualquer merda que vos esfreguem nas ventas

portugal país onde o futuro é sempre hoje

a verga do poder quer‑me pôr no lugar
quer que eu ache que estou onde devo estar
quer que existam sempre uns degraus a separar-me do parlamento
degraus que nunca hão‑de ser subidos
um inconseguimento frustracional vazando as arcadas
querem a minha submissão
querem que eu não grite
querem que eu faça sala e cante o hino
enquanto marcha a parada militar
querem que eu não tenha nada a ver com isto
querem que eu vá ao fundo
e lhes faça adeus quando passam de submarino

não não Não
NÃO!
da minha parte nunca haverá uma saída limpa
eu não estou aqui para negociar porra nenhuma
eu quero lá saber das concertações
aquilo que é partido só tem lugar no lixo
eu quero lá saber dos salários mínimos e das horas extra de trabalho
eu quero lá saber da puta das reivindicações que vos foda
dos tambores de lavacolhos do fato–macaco da lisnave
desse azul a que nunca havemos de chegar
eu quero lá saber que coelho é que me vai montar
eu quero é dizer que sou homem
que sou agora
tenho medo mas não tenho vergonha

e é assim que me entrego
e é por isso que estou aqui
a enfrentar o meu medo

25 de abril
40 anos
40 anos a abri‑lo é muito tempo

ponham os cravos na lapela e deixem sair as bandas filarmónicas
lancem os foguetes que alguém há‑de ir apanhar as canas
enquanto os mineiros de aljustrel cantam a grândola ao cavaco

embebedem‑se todos depois do adeus
que eu
muito mais vivo do que morto
não tenho nada para comemorar

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