quarta-feira, 9 de abril de 2014

TRÊS INCURSÕES

(ressaca)

grito na escura humidade
rodopio na estação infernal
está tudo ácido derretido

vergo-me à pressão
na dispersante obscuridade
desta janela infinita

e no vazar do copo
deste fruto destilado
desaparecem-me as pernas

sou qualquer coisa‑metade
de passagem pela grande rua
sem me conseguir apanhar

***

(H.)

dá para matar bastante
uma flecha prateada
apontada à fantasia

os peixes de bicicleta
na lua fazem as mães
chorar muito mais alto

os índios quando cantam
abrem uma porta de fogo
e é por ela que passam

tudo sempre se esvazia
e por refinado que seja
lirismo não mata a fome


***

(adeus)

tenho este mel na boca
estalando a lágrima feliz
eu quero despedir‑me em paz

num tremor para o fim da agonia
o horizonte vai‑me rasgar o peito
já não posso adiar esta emoção

é grande o oceano que me chama
para dentro do calor maternal
que dura a própria essência da vida

eu já não estou eu já fui
na canoa verde dos índios
eu não posso adiar a coração

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