ALGUMAS PERGUNTAS A UM «HOMEM
BOM»
Bom, mas para quê?
Sim, não és venal, mas o raio
Que sobre a casa cai também
Não é venal.
Nunca renegas o que disseste.
Mas que disseste?
És de boa fé, dás a tua opinião.
Que opinião?
Tens coragem.
Contra quem?
És cheio de sabedoria.
Para quem?
Não olhas aos teus interesses.
Aos de quem olhas?
És um bom amigo.
Sê-lo-ás do bom povo?
Escuta pois: nós sabemos
Que és nosso inimigo.
Por isso vamos
Encostar-te ao paredão.
Mas em consideração
Dos teus méritos e das tuas boas
qualidades
Escolhemos um bom paredão e vamos
fuzilar-te com
Boas balas atiradas por bons
fuzis e enterrar-te com
Uma boa pá debaixo da terra boa.
***
PERGUNTAS DE UM OPERÁRIO LETRADO
Quem construiu Tebas, a das sete
portas?
Nos livros vem o nome dos reis.
Mas foram os reis que
transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes
destruída,
Quem outras tantas vezes a
reconstruíu? Em que casas
Da Lima dourada moravam seus
obreiros?
No dia em que ficou pronta a
Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande
Roma
Está cheia de arcos de triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? Até a
legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus
escravos.
O jovem Alexandre conquistou as
índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer um cozinheiro tinha ao
seu serviço?
Quando a sua armada se afundou
Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a Guerra dos
Sete Anos.
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas.
“Poemas”; Tradução, selecção,
estudos e notas de Arnaldo Saraiva, Campo das Letras, 1998.
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