Este é o Regresso. Após uns oito anos
encalhado aqui à porta de casa, a definhar, à frente de toda a gente, foi
abatido, com vinte e oito anos. O Regresso foi construído em 1980, o ano em que
eu nasci, por um artesão de nome Agostinho, que já morreu, assim como o meu pai,
que o mandou construir. Eu ainda estou vivo, e por isso coube-me a mim
desfazê-lo em pedaços. Nessa manhã, como tantas vezes faço, fui à costa ver o
mar e mijar do cimo de uma duna. Estava uma gaivota a tentar comer o olho de um
golfinho que o mar trouxe na madrugada. Às onze, chegou o senhor agente da
polícia marítima. Disse-me para começar a desmanchar o barco e olhar para
câmara que ele tinha de tirar uma fotografia para o arquivo. Depois disse-me
para carregar alguns pedaços de madeira até ao contentor do lixo, para que ele
tirasse outra fotografia, para o arquivo. Nisto veio o meu vizinho, o ti Zé, mais conhecido pelo Zé Sargo, que
tem hoje 83 anos, que agarrando numa enxada que estava ali de lado disse: “Bora
partir esta merda toda!”. E eu fui. E eu parti com ele. Só parámos quando não
restava nada sobre nada; mal demos pelo senhor agente se ir. Não pus nenhuma
dessa madeira no lixo. Guardei‑a até ao Verão e, como tinha de ser feito, fiz
um grandioso fogo na praia para os meus melhores. Dancei, nessa noite dancei
com a quilha às costas antes de vê-la a arder. Como me disse um amigo no outro
dia, um Homem tem que ficar de pé, entre as ruínas.
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