dedicado ao José Mário
Branco, dedicado aos que nunca se renderam e que nunca se renderão
já gastaram
um balúrdio em cravos
enfeitaram tudo
muito bem enfeitado
e porque
somos um país de muitos e bons costumes
os do
costume vão proferir os discursos do costume
e como de
costume depois dos aplausos
as femmes de ménage vão bater com toda essa merda no lixo
vivemos
tempos de uma estranha obediência
consensos
são forjados atrás de consensos
as palavras
estão vazias as palavras não valem nada
as palavras
estão em vias de reformulação
na boca dos
burgessos dos partidos do soutien
uma mama
para esquerda uma mama para direita
fartam‑se
todos de mamar da grande teta europeia
do não sei
quê de progresso de cabrões de vidouros
que vão de
braço dado com a divindade do mercado
e o povo de
pão e vinho sobre a mesa
em grande
marcha até que a miséria lhe doa
celebrará as
vitórias sobre as agências de ratting
nesse grande
regresso à pátria tão amada
vivemos
tempos obscuros
emprenhados de
ruído televisão e misticismo
vamos
vivendo à distância da vida
porque
acreditamos que há um “eles” e um “nós”
e acreditar
nisso é acreditar que somos incapacitados
é valorizar
a hierarquia como fórmula da sociedade
é aceitar
que existe o céu e o inferno
e que só
alguns poderão aceder à terra prometida
e assim
carneiros sacrificados no altar de qualquer dinheiro
nosso sangue
vai enchendo as ruas das cidades
como as
areias enchem o vazio dos desertos
eu pecador
me confesso
eu não vivi
acima das minhas possibilidades
democracia
mais salazarismo dá cerca de um século de modorra
sem contar
com o resto noves fora nada
não estamos
assim tão atrasados em relação á europa
antes pelo
contrário vamos à proa vamos pela proa
vamos atados
à proa mamando a espuma de todos os dias
esta escória
de marcelos e fátinhas de cavacos embalsamados
coelhos
carecas portas pirosos seguros para a próxima vida
fogem que se
fartam os cérebros para o estrangeiro
mas os
carniceiros cheios de soluções não largam o osso
porque são
muito caridosos e não sabem onde meter
a
grandessíssima pena que sentem dos pobres
porra que
filho‑de‑puta que eu sou que não vejo que estou melhor
acordo todos
os dias e sinto‑me muito melhor
as
florzinhas estão todas cheias de cores muito melhores
estamos aqui
numa grande festa do melhor
até camões
achou o olho e vê muito melhor
devíamos
criar um dicionário um inventário
um programa
de televisão um sindicato
onde
pudéssemos declamar livremente todas as coisas melhores
que fazem do
país um país muito melhor
um 25 um 28
um 605 forte
que nos saia
abruptamente sem políticas sem merdas
sem
necessidade de confrontar o mais mísero pintelho
da nossa
enorme comichão e poder dormir enfim
num jardim
num mosteiro num monumento
onde
milhares de turistas curiosos poderão fotografar
nós somos
portugueses
nós somos o
melhor povo do mundo
somos todos
uns devassos duns empreendedores
uns entra e
sai da sociedade anónima lusitana
tratamos
todos o calão da alta finança por tu
há-de vir cá
o macdonald’s mostrar o que é vender merda como diamantes
não é
qualquer bifana que nos ensina o que é que é ser tenro e saudável
viva a dieta
mediterrânica especialmente no cu
é preciso
ser‑se qualquer coisa de excepcional em berlim
para aceitar
qualquer merda que vos esfreguem nas ventas
portugal
país onde o futuro é sempre hoje
a verga do
poder quer‑me pôr no lugar
quer que eu
ache que estou onde devo estar
quer que
existam sempre uns degraus a separar-me do parlamento
degraus que
nunca hão‑de ser subidos
um
inconseguimento frustracional vazando as arcadas
querem a
minha submissão
querem que
eu não grite
querem que
eu faça sala e cante o hino
enquanto
marcha a parada militar
querem que
eu não tenha nada a ver com isto
querem que
eu vá ao fundo
e lhes faça
adeus quando passam de submarino
não não Não
NÃO!
da minha
parte nunca haverá uma saída limpa
eu não estou
aqui para negociar porra nenhuma
eu quero lá
saber das concertações
aquilo que é
partido só tem lugar no lixo
eu quero lá
saber dos salários mínimos e das horas extra de trabalho
eu quero lá
saber da puta das reivindicações que vos foda
dos tambores
de lavacolhos do fato–macaco da lisnave
desse azul a
que nunca havemos de chegar
eu quero lá
saber que coelho é que me vai montar
eu quero é
dizer que sou homem
que sou
agora
tenho medo
mas não tenho vergonha
e é assim
que me entrego
e é por isso
que estou aqui
a enfrentar
o meu medo
25 de abril
40 anos
40 anos a
abri‑lo é muito tempo
ponham os
cravos na lapela e deixem sair as bandas filarmónicas
lancem os
foguetes que alguém há‑de ir apanhar as canas
enquanto os
mineiros de aljustrel cantam a grândola ao cavaco
embebedem‑se
todos depois do adeus
que eu
muito mais
vivo do que morto
não tenho
nada para comemorar
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