grito na escura humidade
rodopio na estação infernal
está tudo ácido derretido
vergo-me à pressão
na dispersante obscuridade
desta janela infinita
e no vazar do copo
deste fruto destilado
desaparecem-me as pernas
sou qualquer coisa‑metade
de passagem pela grande rua
sem me conseguir apanhar
***
(H.)
dá para matar bastante
uma flecha prateada
apontada à fantasia
os peixes de bicicleta
na lua fazem as mães
chorar muito mais alto
os índios quando cantam
abrem uma porta de fogo
e é por ela que passam
tudo sempre se esvazia
e por refinado que seja
lirismo não mata a fome
***
(adeus)
tenho este mel na boca
estalando a lágrima feliz
eu quero despedir‑me em paz
num tremor para o fim da agonia
o horizonte vai‑me rasgar o peito
já não posso adiar esta emoção
é grande o oceano que me chama
para dentro do calor maternal
que dura a própria essência da vida
eu já não estou eu já fui
na canoa verde dos índios
eu não posso adiar a coração
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