quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

DIÁRIO DE BORDO



Sem grandes conflitos interiores
e em quase plena fruição desse divino
que faz do vinho um ofício
permite-me álvaro que acrescente
mais sentimentos esdrúxulos
à sua famosa concepção do ridículo

soubesses o que é mudar fraldas
em vez de cartas tinhas escrito
cacas naturalmente

***

chegámos então aqui
tudo verdadeiramente estilhaçado
a expansão fragmentária do universo
e simultaneamente o seu colapso
num rarefeito centro de gravidade
o monólito de kubrick e de clarke
agora sim e finalmente
plantado no quarto

***

nós não parámos
estamos a ajustar um novo tempo
para podermos continuar
esta terra foi lavrada funda

***
estou falto no verbo
confesso que não tenho
corrido muito

***

um homem nunca se afasta
ás vezes tapa os olhos
ás vezes fecha a boca
engole cospe arrecada
os seus humores longe da oração
mas o punho firme e fechado
vai sempre batendo no peito
silenciosamente

demora
mas um dia a pedra cai
e a água sobe toda de repente



sexta-feira, 20 de novembro de 2015

19NOV2015

muito se dirá sobre estes dias
sobres os ataques de paris e o isis
o governo de esquerda e o presidente na madeira
o mundo inteiro andará cheio de palavras na boca
tudo acontecerá e não acontecerá coisa nenhuma
veremos nova constelação firmar-se ou não
e tudo se reunirá brilhantemente
sobre a mais novíssima tragédia humana

dezanove de novembro do ano de dois mil e quinze
indo para casa já sei lá umas cinco estava chegando
cai sobre mim onde é que eu estou

***

é importante estar minimamente preparado
ter-se feito certas coisas ajuda
mas isso não fará diferença nenhuma
quando bate bate
e bate
e bate

deve ter sido assim desde o princípio
grandes caçadores completamente indefesos

***

um estado do querer
aquele querer que só quere e é puro
e que isso seja lá o que for
que é o que devemos aprender
por muito que nos teime
nãos nos deixará seguro

***

de um planeta estrangeiro
senti a palma da mão suar

vi o que foi nascer
vendo a tua força bruta

não te consigo distinguir
do que acabou de vir ao mundo


só amor vai tão fundo

quinta-feira, 10 de setembro de 2015



rumamos a um país desconhecido
a nossa pátria é a nossa língua
a nossa língua é a dos igrejos avós

dos avós não temos a certeza
mas foram pobres num país
do qual já a lembrança é distorcida
e a memória dessas coisas
tão lambuzada de sangue

só faz ridícula a propaganda





rumamos a um pais desconhecido
e os homens que não temem
aquilo que não sabem
não sonham aquilo que os segue
nem tomam aquilo que os soma
e na sombra
é tudo fofinho


rumamos a um país desconhecido
escolhemos o amor uma ilha e uma cabana
escolhemos ir para onde foder seja forte e fundo
e o dinheiro muito nos olvide a puta da cagança
e os por-dos-sóis celestiais sejam brutais
e adeus




rumamos a um país desconhecido
onde todas as províncias são desconhecidas
onde não existe o reino num reino

rumamos a um país desconhecido

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

DIÁRIO DE BORDO




quando o raio do sublime te atinja
e tu na tua profunda honestidade
não lhe adivinhares a graça
ou porque outro fundamento
se interpõe mais forte
e tu que tanto queres escrever
investes em memorizar um rasgo
que julgas ser um puro acesso de poesia
e tens razão e por isso repetes
insistente na cabeça essa primeira estrofe
para te perderes no meio do que poderá vir a caminho
caga nisso desfruta não escrevas nada
será o teu maior sucesso
repeti-lo-ás vezes sem conta
escrever sem ter escrito nada



***

a grande cidade cairá
insisto teimosamente em escrever
enquanto combato as misérias ordinárias
que me obstinam porque só vejo destino
nas distâncias imensas na vastidão do tempo
que são na realidade o universo em que vivemos
e não esta penúria esta opressão este crime
esta condenação a iminência do fim súbito
esta falta de alegria esta eternidade de grandes e pequenos
esta luta sem ser luta que para lado nenhum nos leva
e nos enterra e lá fora a grande noite de nebulosas
e galáxias e planetas e estrelas que explodem como sinfonias
e os homens parados sem fazerem o que fazem os homens

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

TOM ZÉ, "CAMELO"


DESTRUIÇÃO ORGANIZADA DE PAISAGEM

© Luís Forra/Lusa

O Ilhote da Cobra já não existe. Não sei porque lhe chamavam assim. Devo ter algum tio que ainda se lembre. Mesmo para mim, o ilhote sempre me pareceu exótico. Muitas vezes caminhei pelo sapal em redor, e sempre o olhei com espanto. Uma dezena de casas ali, numa escassa areia rodeada de lama e arbustos salinos. De um lado, a Praia de Faro e a Ilha Deserta, e o acesso ao mar. Do outro o entrançado de canais que leva à cidade e à Ilha do Farol.

Para mim, o Ilhote da Cobra, com as suas casas brancas ali plantadas no meio da ria, não era somente parte da paisagem, era também uma espécie de herança anónima, fazia parte de uma memória colectiva. Ali viveram pessoas. Há uma história de vida marítima ligada ao lugar, àquelas casas. O Ilhote da Cobra, não é o Ilhote da Cobra sem as suas casas, sem os seus vestígios humanos. A demolição das casas no Ilhote da Cobra, implica a demolição de um registo cultural. As demolições nas ilhas barreira da Ria Formosa são a evidência física dessa destruição.
Mas nenhuma cultura desaparece sem que outra, emergente, tente se sobrepor. Neste caso concreto, é uma cultura higienista, a da preservação e da renaturalização, que, de tão humana, é perversa. Transporta em si uma razão retrógrada, uma queda para trás de querer ser tão à frente. Esta cultura entende a Ria Formosa sem os seus homens, sem os seus vestígios, uma coisa limpa e estetizada. Vê no acto de subtrair à Ria os seus homens, uma forma de preservar essa experiência cultural, à qual se sobrepõe. Retirar os homens da Ria à Ria, é artificializar a Ria. Será certamente feito um museu, um dia, para acabar de vez com tudo.
O conceito de renaturalização é simplesmente um desastre, uma ofensa gravíssima à minha integridade. Renaturalizar é a práctica camuflada do resort. Mas é também um buraco negro asqueroso desta cultura, que tudo arrasa e devora, rebuscando eternamente os seus disfarces. A renaturalização não implica só demolições, implica também a eliminação de diversas espécies vegetais, trazidas pelo homem, como por exemplo a árvore com mais de 30 anos que tenho aqui à frente de casa. Gostava de saber se têm algum plano de contenção para os melros, que nos últimos anos têm vindo com mais frequência aqui nidificar. E já agora muito boa sorte com a remoção do chorão-das-praias.


Assim como não há uma Ria com homens e outra sem homens, não há um Ilhote da Cobra com casas e outro sem casas. A destruição física do Ilhote da Cobra (resta apenas o lugar higienizado), implica a destruição do seu imaterial. A organização que propõe repor assegura a destruição.
Como disse um amigo meu, “renaturalizar é pôr como estava antigamente”. Mais simples do que isto é difícil. Tentar pôr uma coisa como ela estava antigamente é, fundamentalmente, fascista. Num mundo em mudança veloz e constante, que esforço é este para "pôr coisas como elas estavam antigamente"? E que rara entrega é esta à impossibilidade?

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

WIKIFÓDIA


Características gerais do ultrarromantismo[editar | editar código-fonte]

  • liberdade criativa do humano superior (o conteúdo é mais importante que a forma; são comuns deslizes gramaticais);
  • versificação livre;
  • tédio constante, morbidez, sofrimento, pessimismo, negativismo, satanismo, masoquismo, cinismo, autodegeneração;
  • fuga da realidade(escapismo, evasão);
  • desilusão adolescente;
  • idealização do amor e da mulher;
  • subjetivismo, egocentrismo;
  • saudosismo (saudade da infância e do passado);
  • consciência da solidão;
  • obsessão pela morte: fuga total e definitiva da vida, "solução para os sofrimentos"; sarcasmo, ironia.

Ver também[editar | editar código-fonte]